Perspectivas sobre a análise musical hoje
A dupla obra-texto: algumas reflexões metodológicas articuladas ao redor de Metastaseis (1954), de Iannis Xenaki
Stéphan Schaub
Stéphan Schaub possui Bacharelados em Percussão, Composição Musical e Matemática pela University of Arizona (EUA) e em Musicologia (EHESS e Sorbonne University, França). Iniciou sua carreira de pesquisador estudando as implicações da formalização matemática nos processos composicionais e na análise da música do século XX, com ênfase nas suas dimensões rítmicas/sonoras. Ao aprofundar seus estudos nas produções teóricas e musicais dos compositores Iannis Xenakis e Milton Babbitt, sua pesquisa ampliou o escopo para incluir os seguintes temas: a metodologia e a epistemologia da análise musical, a aplicação da tecnologia digital no estudo da música e o desenvolvimento de meios para orientar performances abertas/improvisadas. Desde 2016, é pesquisador efetivo (Pq C) do Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora (NICS) da Universidade Estadual Paulista de Campinas (UNICAMP), Brasil.
Uma análise que compõe, uma composição que analisa: uma pesquisa e um horizonte
Nas raras vezes, musicólogos reconheceram em transcrições, orquestrações, reduções etc. um caráter analítico com relação à obra transcrita. Exemplos disso se encontram nos escritos de Szendy (2008) sobre as transcrições de Liszt, em Dahlhaus (1987), quanto à “instrumentação analítica do Ricercar a seis vozes de Bach” realizada por Webern, ou em Chafe (1992), sobre a expansão madrigalesca por Monteverdi de seu originalmente monódico Lamento de Arianna. Esse tipo de reescritura de cunho crítico e analítico, o qual traz à tona, amplifica e desenvolve aspectos latentes da obra original, pode ser agrupado sob a noção de comentário composicional, proposta por Berio (2006; cf. Packer 2018) e abundantemente realizada em sua música.
De nossa parte, motivados por interesses composicionais e pedagógicos (igualmente no âmbito da composição), temos nos valido de uma modalidade de comentário para desvelar relações funcionais tonais, tanto locais como de larga escala, latentes em obras geralmente tidas como “pós-tonais”: em resumo, temos acrescentado a cada obra analisada – a qual permanece ademais intacta – uma linha melódica que prepare e/ou resolva dissonâncias suas e que, assim, remeta cada harmonia dissonante a formações harmônicas mais convencionais, de modo a balizar e pronunciar interpretações destas em termos tonais funcionais.
Reconhecendo-se, em todas essas experiências, um patente potencial epistemológico da composição musical, conseguiremos transpô-lo de um plano estritamente técnico para um plano cultural mais amplo? Frente à intensa demanda de nosso alunado por uma maior inclinação acadêmica às nossas próprias músicas populares, haverá nas práticas críticas de reescritura um potencial para compreendê-las nos termos de nossa própria cultura? Caberá, nesse sentido, uma aproximação entre o comentário composicional e a antropofagia cultural de Oswald de Andrade?
Francisco Zmekhol
Professor Doutor na Universidade Estadual de Campinas. Doutor em Artes (Processos de Criação Musical) pela Universidade de São Paulo (2018); mestre em Música (Processos Criativos) pela Universidade Estadual de Campinas (2013); bacharel em Música (Composição) pela Universidade Estadual de Campinas (2011). Atua principalmente nos seguintes temas: Composição musical, Tonalidade expandida, Música do século XX. Foi professor da Universidade Federal de Rondônia entre 2014 e 2022. Integra a comissão organizadora dos Simpósios Internacionais de Música na Amazônia