A intersecção entre política e jogos digitais remonta às origens da mídia: seu surgimento multifacetado se deve às pesquisas em computação do Pós-Guerra e Guerra Fria. Nesse sentido, trata-se de uma mídia ambivalente, pois oriunda, em parte, de um projeto militar, mas também emergente de trabalhos paralelos desenvolvidos pelos mesmos programadores deste meio: uma espécie de resistência silenciosa ao trabalho que evidencia uma complexa relação entre tecnologia e cultura. No mesmo sentido, desde seu advento comercial como entretenimento voltado ao público infanto-juvenil, os videogames se transformaram em uma plataforma de expressão sociocultural na contemporaneidade. Desempenham um papel significativo na formação de identidades e na interação entre comunidades ao passo em que expressam, através de seu fazer, mercantilização e consumo, as contradições do capitalismo.
A jornada de estudos “Som, Poética e Política no Videogame” objetiva reunir pessoas pesquisadoras do Brasil para apresentar diferentes perspectivas sobre o tema e discuti-las de forma interativa com o público presente a fim de ampliar os horizontes sobre diversos tópicos abrigados sob os guarda-chuvas da multimídia e da política. Além disso, busca trazer ao ambiente acadêmico um evento sobre uma mídia de evidente popularidade que é consumida por uma demografia plural sob diversas formas: dos smartphones e consoles às transmissões ao vivo via plataformas de streaming.
O evento será presencial. Certificados de participação serão emitidos às pessoas participantes.
Programação do dia 7 de Novembro:
9h30: Tharcísio Vaz de Moraes — Audiogame Breu: cognição incorporada, music design e processos criativos aplicados em um jogo inclusivo
Esta comunicação tem como objetivo apresentar diferentes estratégias criativas na música para games em prol de uma experiência imersiva sob a perspectiva multirreferencial dos campos da Composição Musical, Cognição Incorporada, Game Design e suas possíveis inter-relações aplicadas na composição musical para quinteto de cordas, piano, sintetizador e percussão para o audiogame BREU: Ataque das Sombras. BREU é um jogo digital com proposta inclusiva, em que aquele que joga interage exclusivamente por recursos sonoros, proporcionando a mesma experiência para cegos e videntes, pois não existem elementos visuais para guiar sua interação. Os processos criativos do audiogame foram direcionados pelo seguinte questionamento: “como a composição musical para um jogo eletrônico sem interface visual pode articular os seus diferentes elementos narrativos e interativos e assim gerar uma experiência imersiva para quem joga?”. Considerando a natureza interativa desta mídia e potencial imersivo da música para games, é importante discutir os possíveis processos criativos a serem adotados e como as intencionalidades de quem compõe podem influenciar nos mecanismos de ação e percepção de quem joga. Por fim, esta articulação multirreferencial poderá não somente responder ao questionamento feito, como propor uma metodologia de ensino de composição para games que engloba as etapas de contextualização, análise e criação musicais e metodologias de testagem (playtesting) de diferentes elementos técnicos e criativos no contexto dos jogos digitais, devendo contribuir para o fomento de discussões e o embasamento dos processos composicionais de profissionais interessados em ingressar neste campo.
10h: Ney Carrasco — A Poética Sonora do Audiovisual: reflexões
Esta apresentação propõe uma reflexão sobre os fundamentos poéticos das formas audiovisuais desde o surgimento do conceito de Trilha Sonora até o momento presente. Tal reflexão parte da linguagem cinematográfica e se estende por suas derivações, buscando entender as transformações das formas clássicas e a proliferação de novos gêneros na contemporaneidade.
10h30: Vinícius Yglesias Pereira — As representações de paisagens sonoras históricas na franquia de games Assassin’s Creed
Este artigo tem como objetivo investigar de que forma as paisagens sonoras virtuais de períodos históricos diversos são representadas nos games da franquia Assassin’s Creed (AC), desenvolvidos pela Ubisoft. A franquia, atualmente, conta com 13 games lançados de 2007 a 2023, além de spin-offs (games com enredo próprio, sem relação direta com os principais) e publicações em outras mídias, como livros e histórias em quadrinhos. Para isso, será feita uma análise sucinta da paisagem sonora de 12 dos 13 games da franquia (devido ao lançamento do último ser ainda recente), destacando tanto os eventos históricos que o game apresenta quanto sua acurácia e liberdades criativas tomadas pela equipe de desenvolvedores a partir da comparação com a bibliografia pesquisada.
11h: Tharcísio Vaz de Moraes e Vilson Zattera (mediação: Stéphan Schaub) — Acessibilidade Visual nos Videogames
Na primeira mesa redonda da programação, os professores Tharcísio Vaz e Vilson Zattera discutirão estratégias e exemplos de repertório voltados para a inclusão de deficientes visuais na fruição dos jogos digitais.
14h: Flávia Gasi — O movimento Gamergate e seu impacto na criação da nova extrema direita
O universo de comunicação de games se tornou celeiro de extrema direita e ajudou a criar a alt-right, especialmente com o movimento “gamergate”. Depois de passar dois anos atuando como estrategista em uma agência de impacto com a missão de diminuir a radicalização de extrema-direita entre gamers, trago uma conversa que resume meus aprendizados, estudos, e falo sobre quais campanhas foram realizadas.
14h30: Luiz Roveran — A escuta do virtual enquanto objeto político
O mundo virtual lúdico dos videogames jaz sobre uma tênue linha de ambiguidade: é contingenciado pelas regras que delimitam seu funcionamento ao passo que estas mesmas regras são concebidas a partir de bases materiais do mundo real — são atravessadas por ideologia, condições de existência e demandas de mercado. A fruição dos jogos digitais, portanto, não foge dessa premissa. Percebemos e interagimos com o virtual através de um processo mediado tecnológica e ideologicamente, inclusive, quando pensamos o lugar da escuta nesse tipo de experiência. Este trabalho, fruto da pesquisa de doutorado do autor, explorará a escuta do virtual enquanto um objeto dotado de peculiaridades e potencial de educação política.
15h: Vitor Kisil Miskalo — A técnica instrumental e a identificação de pertencimento comunitário no mundo contemporâneo através da música e dos videogames
O desenvolvimento tecnológico não ocorre de forma autônoma e separada de seu contexto sociocultural. Se fizermos uma análise mais cuidadosa podemos perceber que tal desenvolvimento acontece sempre em um ambiente de complexas interações entre heranças, tradições, adoções e desajustes. Parto desta reflexão para estabelecer um vínculo entre as práticas de criação e performance musical e os hábitos de jogar videogame. Aponto especialmente alguns destes pontos em comum, como: o treino e aperfeiçoamento instrumental através do exercício regular que por vezes busca o virtuosismo técnico; a prática ordinária individual ou compartilhada cujo maior objetivo é o de trazer uma ocupação terapêutica ao usuário/praticante através de momentos de satisfação, desafios ou de expressão; e as comunidades que se formam ao redor destas práticas e como elas sustentam as estruturas de valor que validam e estimulam as atividades cultivadas por tais coletivos.
15h30: Flávia Gasi e Luiz Roveran (mediação: Ney Carrasco)
A estética política nos videogames
A segunda mesa redonda da jornada traz à tona a estética política nos videogames: como o discurso político se manifesta através dos diferentes caminhos de desenvolvimento e apreciação dos jogos digitais? Flávia Gasi, Débora Mattos Peron e Luiz Roveran se debruçam sobre este questionamento com mediação de Ney Carrasco.
Sobre os participantes:
Flávia Gasi
Com mais de 24 anos de experiência em jornalismo e comunicação no mercado gamer e de cultura pop como escritora e editora, escreveu games, traduziu obras, e tem games, livros e HQs publicadas. Foi premiada pelo troféu Ângelo Agostini por Melhor Publicação Independente de Grupo. Como jornalista, apresentou o quadro “Planeta Games” na Rede TV e um quadro semanal sobre games no programa “Scrap MTV”. Foi editora de games e repórter do Portal MTV, editora da Revista Oficial do XBox no Brasil, e redatora do site Omelete, Uol TAB, entre outros. Seu trabalho acadêmico se debruça sobre narrativa de videogames e desradicaliação de extrema-direta de comunidades gamer. Atualmente é diretora de narrativa, professora doutora de narrativa, estrategista, escritora e produtora de conteúdo.
Luiz Roveran
Professor, compositor e projetista de som (sound designer). É docente do Curso Superior em Design de Animação do SENAC-SP. Licenciado em Educação Musical pelo IA-Unesp, Mestre e Doutor em Música pelo IA-Unicamp. Atua na produção de trilha sonora para jogos digitais, tendo contribuído com música e efeitos sonoros para títulos como Relic Hunters Legend (Gearbox Software, 2023), Tokyo 1923 (independente, 2015) e Praia Bingo (Pipa Studios, 2012).
Ney Carrasco
Compositor de trilhas sonoras e docente do Depto. de Música – IA da UNICAMP desde 1989. Secretário Municipal de Cultura (2013 – 2020). É autor do livro Sygkhronos: a formação da poética musical do cinema (Via Lettera: São Paulo, 2003) e de diversos artigos sobre som no audiovisual.
Tharcísio Vaz
Premiado compositor e sound designer para Games, Cinema e Publicidade com atuação desde 2012. Doutor em Composição Musical pela UFBA, trabalhou na produção musical e de áudio em mais de 80 projetos de Jogos Digitais, Filmes e Animação, tendo suas músicas tocadas por prestigiados grupos de câmara da Europa como o Ligeti String Quartet (Inglaterra) e Kaiser String Quartet (Alemanha). Seus trabalhos foram exibidos e premiados em eventos nacionais como SBGames, Campus Party, Brasil Game Show, eventos internacionais como Gamescom, NYX Game Festival, BIG Festival, Cannes Festival, Media Sound Hamburg e museus como VA Museum (Londres) e Pavilhão da Bienal (São Paulo). Entre seus projetos destacam-se a mixagem para a versão brasileira do anime Fairy Tail, a produção de locuções para as versões PT-BR e ENG do game Asleep e a composição e direção de voz da franquia Audio Game BREU, na qual Vaz compôs e produziu mais de 1 hora de música para quinteto de cordas, piano, sintetizador e percussão gravadas ao vivo e dirigiu locuções com 24 dubladores profissionais das indústrias de games, animação, cinema e TV, sendo responsável por todo o processo de localização das versões PT-BR e ENG. Vaz é atualmente professor formador no curso superior de Licenciatura em Música EAD (UFBA-UAB), além de atuar entre 2018 e 2024 como professor substituto na Graduação em Jogos Digitais na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e entre 2018 a 2021 na Licenciatura em Música da UCSal, lecionando para centenas de alunos e ministrando palestras em diferentes universidades do Brasil e da Europa em países como Portugal, Inglaterra e Alemanha.
Vinícius Yglesias Pereira
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desde 2022, na linha de pesquisa Música, Linguagem e Sonologia. Mestre na área de Música: Teoria, Criação e Prática, na linha de pesquisa de Música, Linguagem e Sonologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Graduação em Educação Musical pela Faculdade Santa Marcelina (FASM), campus Perdizes, em 2020, onde também atuou como monitor em aulas de harmonia e contraponto. Formação técnica em Bateria e Teoria Musical pelo Conservatório Dramático e Musical Oreste Sinatra em 2015, atuando como monitor em aulas de bateria, teoria musical básica e avançada, harmonia e rítmica. Pesquisas na área de música, sonologia, paisagem sonora, game audio, trilha sonora, musicologia, cognição musical, história da música e imersão em games. Desde 2019, é percussionista na Orquestra Filarmônica de Itaquaquecetuba, onde também atuou como auxiliar pedagógico, arranjador e arquivista de 2019 a 2021 Na área da performance atua como percussionista, violonista e pianista, além de ministrar aulas particulares de bateria, piano e violão. Atualmente é membro do grupo de pesquisa do Coletivo de Comunicação, Cognição e Computação (C4) da Unicamp, pelo qual faz publicações periódicas no BlogC4, além de participar do PodC, o podcast do coletivo, disponível no Spotify.
Vitor Kisil
Compositor, intérprete, pesquisador e professor com atuação em diversas formas de manifestação musical, como desenvolvimento e apresentação de performances interativas, criação de trilhas para curtas-metragens e apresentações musicais como intérprete e criador. É mestre e doutor em música pela USP, membro do NuSom (USP) e um dos fundadores do Grupo de Práticas Interativas (GPI – NuSom). Foi contemplado com prêmios de melhor trilha sonora para curtas-metragens em festivais no país e no exterior. Atua regularmente em grupos de arte interativa como compositor e responsável pela elaboração e desenvolvimento das ferramentas de processamento e manipulação de áudio em tempo real e já se apresentou em importantes eventos nacionais e internacionais. Em 2020 lançou o álbum “Convergência Procedimental”. Atualmente é professor do curso de Produção Fonográfica do Centro Universitário Belas Artes, de Jogos Digitais da FIAP e de seus próprios cursos livres.